19 de julho de 2012

o paulistano no bufê de sorvetes

era uma sexta-feira bonita, que começava querer chover e não conseguia, quando conversei sobre isso com ela, isso que eu sentia que era a diferença mais sintomática e mais incomodante entre mim e meu povo. falar assim é meio pocahontas feelings, e sei que eu não seria a única por conhecer mais uns dois, talvez três sobrenomes que também sofram essa variação, mas se fosse possível generalizar, seria assim:

o paulistano, no bufê de sorvetes, serve-se apenas uma vez de cada sabor e com uma colherinha de café e só. isso parece ser suficiente.
eu me sinto contramão em relação aos conterrâneos - como já disse, não todos - porque, num bufê de sorvetes, o mais provável é que eu quisesse me servir com aquela colher de pegar arroz, quando não uma pá a depender do sabor.

tenho uma gula de mundo da qual me orgulho, só que aos olhos dos outros parece ser algo ruim. com o fim do ensino colegial e do apostilamento, um apetite pouco discreto, mas discreto, que eu tinha pareceu se converter numa fome mitológica. eu quero o mundo. eu quero um meu mundo. foi quase como se estivesse num quarto, com duas ou três janelas, e no segundo seguinte num espaço só janelas e todas para lugares diferentes e lindos e com experiências magníficas, todos desejáveis, todos desejosos. queria voltar pro piano, conhecer um bom punhado que já então criava raízes em minha lista de vontades dos pés e dos olhos, aprender mais cinco idiomas, subir a palcos, descer à masmorras, andar de bicicleta, voltar pra são paulo, voltar pro sul. ir para o norte - quase tudo. isso talvez se explique por um tardio ingresso ao faz de conta, visto que de todas as babás que mamãe nos contratou a melhor foi a tela da televisão. só descobri o prazer da leitura e de tantas outras coisas aos dezesseis, e me apeno por isso. mas, é claro, talvez...

como dizíamos eu e mais algumas pessoas ao redor que tinham o mesmo acúmulo de vontades, abraçar um mundo grande demais para os braços.

o paulistano, por outro lado, me lembra a madame que foi ao bufê de sorvetes com aquela colherinha de prata ridícula, provou de todos e se satisfez. tirando os pouquíssimos nomes que comentei, não me lembro de conhecer nenhum outro paulistano que tivesse viajado para mais de 150km do limite da metrópole - ou desce pra praia, ou sobe pra serra. há quem, eventualmente, tenha pego mais umas petiscadinhas de um determinado sabor porque gostou, daí veio a satisfação e fim. há também o paulistano que pegou uma colher de chá de um sorvete para que tirasse o sabor, que achou desagradável, de um sabor anteriormente provado (mas não necessariamente porque gostou do sabor seguinte, era só um escape). o paulistano me passa a seguinte impressão: como vive numa capital na qual marcam presença tantas culturas, não precisa visitar as raízes dessas belezas porque se satisfez com o que veio de barco. como já é capital e na capital tudo tem, não precisa visitar o interior por serem menos, nem outras capitais, por serem iguais.

é desgostoso demais pensar isso da minha própria gente...

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