23 de abril de 2021

não há lapso temporal para assuntos assim

há uma cena em Young Adult (2011) em que Mavis (Charlize Theron), já no fundo do poço, conversa com Sandra (Colette Wolfe) sobre como as pessoas conseguem ser felizes tão facilmente e se satisfazer com tão pouco, ao contrário dela, que deveria estar mais feliz que todo mundo que conheceu na adolescência - única do grupo que se mudou para a cidade grande e fez alguma carreira com algo que um dia foi reconhecido.

no começo do filme, o olho é induzido a acreditar que Mavis já está no fundo do poço. a questão é:

existe caminho contrário ao da satisfação? ao da felicidade, sim, mas parece que o motorista simplesmente erra do caminho, vai para o que é ruim "porque quer" - acha que está fazendo certo, está convicto disso, e só ele não repara que, se quisesse ir para o CIDADE INFELIZ, não deveria estar na estrada com placas dando a quilometragem que falta até CIDADE FELIZ.

(o texto acima é de setembro de 2012; daqui pra baixo, abril de 2021)

nem eu sei mais o que quis dizer com o terceiro parágrafo.
talvez estivesse tentando sintetizar de outra forma o que consolidei com o tempo com o moto "parecia uma boa ideia na hora". ainda que seja a pior das opções, suponho que façamos nossas escolhas de acordo com o que na hora nos parecem ser as melhores, ainda que depois reconheçamos equívocos.

mas nesse lapso temporal no qual nunca cessou-se a reflexão, fui acometida por inúmeros filmes (alô Enquanto Somos Jovens), postagens, séries, enfim, todo tipo de conteúdo tratando sobre esse mal do século que é a insatisfação crônica. de 2012 pra cá, surgiram inclusive profissões (?) que ajudam pobres mortais insatisfeitos a lidarem consigo mesmos, como a fossem a personificação dessa emoção. 

hoje em dia tem até um barato que se chama "curso das emoções" (mas nesse eu confesso que vejo sentido). 

atualmente, apesar de todos os pesares, eu me sinto muito mais satisfeita do que quando comecei esse texto em 2012, apesar de, de certa forma, estar no mesmo lugar em vários aspectos que eu à época achava serem muito importantes. as prioridades mudaram muito. tanto que parecia importante hoje percebo não ser... mas às vezes só não é mais importante agora mesmo, embora antes tenha sido, e muito. 

mas eu não sou 100% satisfeita. o que mudou hoje é que tenho consciência que algumas coisas que aspiro e parecem insatisfação com o que tenho são na verdade preocupações adiantadas de problemas que sei que terei que resolver no futuro. antecipo a busca por soluções por mania de planejamento, e isso se confunde, aos olhos dos outros, com insatisfação com meu presente. 

mas às vezes é só excesso de futuro mesmo, dano irreparável do período de vestibulanda (êta época ruim em que parece que a sua vida só vai começar depois da linha de chegada). 

amor de mãe

acompanhar a própria mãe até a porta de uma UTI é algo que realmente não desejo pra ninguém. 

enquanto inicio este texto, que com certeza não será escrito em uma sentada só, percebo qual a intensidade dos últimos dias. quando alguém que você ama precisa de você e lhe é possível pausar a sua própria vida, não sei se há alguém que pense duas vezes em fazê-lo. eu perdi a noção dos dias, das semanas, e preciso reiteradamente consultar o calendário para verificar que dia é hoje, pois pra mim ainda é 22/3, talvez 6/4... mas meu mundo parou de girar logo após o aniversário da cidade. e se não o tivesse feito, talvez nesse momento eu pudesse me dizer órfã. 

quando eu era criança, órfão era só o menor de 18 que crescesse sem pais consanguíneos. o conceito se expandiu com o passar dos (d)anos, inclusive da vida de outros. e eu, aos 32, morro de medo dessa condição. 

minha vida "está feita". eu não ficaria desamparada de forma alguma. pais morrerem antes dos filhos é a ordem natural dos fatos. sempre encarei a morte com muita naturalidade, mas... depois de março de 2021, creio que seja da maior inutilidade se preparar pra esse momento. 

quando quase me aconteceu, o preparo de nada valia. e eu trocaria todos os nossos arranjos por mais momentos com minha mãe - agora algo me abriu a torneira -, a quem mal vi desde o início da pandemia. 

qual Rapunzel, ela se isolou no alto da sua torre (último andar de prédio com muitos pavimentos). de que adiantou se, a menos de dois meses da vez dela ser vacinada, o Covid19 aprendeu a usar elevador? 

durante os vários dias de internação (que parecem um enorme dia que não terminava), poucas coisas boas tinham hora marcada. dentre tantas visitas de auxiliares de enfermagem, enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, e tantas agulhadas, e comprimidos, e soro, e cateter, e extensão de cateter, e máscaras, e VNI, e exames, minha mãe se manteve lúcida principalmente nos momentos em que queria assistir à novela das nove e ao BBB21. admito que já nem sei dizer qual dos dois é roteiro e qual dos dois é vida real. 

a novela já encontrou seu fim - o último episódio, felizmente, assistimos da minha casa. já estava de alta, mas a recuperação continuará por meses. algo indesejado ainda reside no corpo dela: tromboembolismo pulmonar. 

e uma semana depois da alta dela, com ela na minha casa para que eu cuidasse dela, a situação se inverte por necessidade: após dois exames negativos, um terceiro confirmou a minha própria infecção por covid19. ainda não precisei ser internada e tô no esforço pra que não precise, mas essa doença é uma montanha russa e não passo um dia sem medo de nova recaída no final da tarde. 

agora, estamos em fase de apoio uma à outra nessas condições absurdas, cobramos as medições de saturação, frequência, temperatura e pressão, e o fazimento dos exercícios de fisioterapia respiratória que aprendemos no hospital (ela pra recuperar o pulmão, eu pra evitar a necessidade de oxigênio auxiliar), e sigo nesses esforços morrendo de medo de contaminar meu marido, que também está com a gente em casa, cuidando das duas. neste exato momento, é meu maior pavor, e espero que não se concretize. 

a família toda está no esforço de manter os ensinamentos dos últimos 33 dias esquecendo a lição, pois foi terrível. e o maior puxão de orelha, no fim das contas, é que realmente não existe ateu quando o avião está em queda lvre. 

8 de março de 2021

memorial

pandemia é um troço que leva a muitas baixas, mas também faz pensar nas perdas anteriores à ela. aqui, gostaria de prestar minhas homenagens e agradecer, sem hastags ou namastê, a vocês: 
Profa. Dra. Maria Antonia Granville, já mencionada. à senhora, gostaria de dizer que você foi, com o perdão da palavra, um mulherão da porra. 

David Bowie, quem me influenciou muito tardiamente, e nem dá pra dizer que nossa aproximação tenha se dado diretamente pela sua música. perdão pela heresia. 

Prof. Rubão (ou Prof. Dr. Rubens Eduardo Ferreira Frias), que nem professor meu meu foi. lembro do senhor toda vez que vejo algo sobre Rosa Luxemburgo. ainda me sinto honrada pelas comparações. 

às pessoas que fugiram de pessoas tentando se encontrar com pessoas que pudessem ser melhores para e com elas - a começar pelos refugiados, mas incluem-se aqui todas as vítimas de quaisquer tipos de barbaridades, cotidianas ou históricas. 

aos falecidos em razão da pandemia que acreditavam na existência do vírus e na sua letalidade. 

aos meus planos de viagem integralmente paga ao Reino Unido, prejudicados pela COVID-19 com dois meses antes do embarque: espero que nos vejamos logo em uma outra vida (sua). 

aos MLP, que ardeu em chamas que não eram do meu coração. e que agora vai tá fazeno a fênix. 

ao Museu Nacional, que também ardeu em chamas e no qual não tive oportunidade de botar o pé. 

a outros específicos, não mencionáveis, digo apenas que vocês estão na minha memória como pessoas cuja falta o mundo não sente. estamos melhor sem vocês. 

26 de fevereiro de 2021

voltei (ou O sumiço)

 (mas se quem eu era ficou por aqui e quem sou agora é outra coisa, será mesmo?)


antes do sumiço, isso aqui foi lido por alguém com grande conhecimento acadêmico do que é literatura. me recomendou participar de concursos literários. travei. 

durante o sumiço, outra pessoa que leu isso aqui - e a quem eu precisava empurrar para subir em palcos - seguiu o próprio conselho. a História me reservou o sopapo de vê-la em carreira musical, a qual, aliás, mal acompanho (desculpa). não por desgosto... talvez seja por desconforto. sabe quando a gente gosta de, supor, uma fruta, mas não tem o mesmo apreço por ela numa salada, apesar de gostar da salada também? a digestão pode ser a mesma, mas o paladar estranha. 

a vida seguiu, pois ela não faz outra coisa. alcancei alguns cumes, ostento algumas conquistas. apesar de ter muita grama de vizinho mais verdinha (inclusive em vales), sinto que também curto a vista do ponto em que estou - mas também olho pra cima: tem chão, e tem céu também. bora. 

também conheci o Vonnegut, despretensiosamente. imagino que seremos bons amigos. 

nesse início de depois do sumiço, o acaso me fez cair num e-mail que informava terem comentado nisso aqui. o acaso me fez isso bem nesta semana em que retornei ao Jornalismo, pausado por tantas razões. 

tô bege. tá tudo igual, mas agora há quase dez anos de intervalo (volta à pergunta do começo). 

22 de julho de 2014

Capa dura e nanquim

De modo geral, é impossível dizermos que a infância foi feliz. Todas as provocações de todo ensino fundamental a revisitam ao menos semanalmente. Se comparadas às visitas dos amigos, aquelas são muito mais frequentes, porque infelizmente depois do ensino fundamental sobra muito pouco tempo pra aproveitarmos os que nos fazem bem, o tempo passa mais rápido e as obrigações de fazermos coisas nem tão boas assim nos consomem.

Pra se sentir menos sozinha, resolveu escrever.

"Que bobagem" pensa hoje, "o plano de saúde já cobre terapia com um profissional capacitado". Mas não muda o fato de que as coisas ruins ainda são mais frequentes à mente dela do que as visitas ao terapeuta, uma vez por semana. Os amigos, ultimamente, uma vez por mês ou nem isso. 

Com tanto passado assombrando e tanto futuro a ser planejado para que o depois seja melhor que o antes, o agora é um caso perdido. Talvez seja como andar de bicicleta - devemos aprender a aproveitar o agora quando ainda somos pequenos e depois, tarde demais. Desmesuradamente tarde, a melhor opção deve ser voltar páginas desta casca grossa e tentar reler aquelas nas quais a menina foi pintada aos passos primeiros.

É complicado rever essas páginas porque boa parte está manchado. É complicado quando cenas fortes, tão importantes, são feitas com um material tão delicado. O nanquim não é apropriado pra esse tipo de coisa e o homem das cavernas já sabia disso - os primeiros passos foram tão bem gravados que ainda os lemos em paredes. Um antigamente tão definido e um ontem tão borrado...