2 de setembro de 2012

O problema são os olhos


Ela usava retângulos vermelhos ao redor dos olhos. Se dizia designer – não falava “sou desenhista”, embora desenhasse, porque talvez considerasse o termo muito restrito àquele que faz desenhos e não projeta, só desenha. Talvez achasse o termo com cara de infantil, mesmo demonstrando respeitar ilustradores. Mas o ponto é que ela também desenhava, mais até do que projetava, eu acho, e mesmo assim botava ênfase no “designer”.

Creio ser a primeira vez que me pergunto por que ela nunca disse ser ilustradora.

Nunca me disse – não por ora – se aquilo era uma reflexão linguística consciente ou o inconsciente com bina da falta de regulamentação da profissão.

(Ilustradores têm profissão regulamentada?)

O ponto: a designer era um desenho. Não sei como poderia ser outra coisa. São raros os casos de designers que são desenhos. Será bidirecional? Ou uni – são desenhos porque desenham ou desenham porque são desenhos? O que é afetado é o exterior ou o interior?

Talvez o inferior, porque batia o pé que era designer e você não. A bina da regulamentação profissional do designer de novo.

Supondo que não tenham regulamentação o ilustrador e o desenhista, por que teria o designer? Porque toda profissão deve ser regulamentada, claro, dá piso e prestígio.

Qual o limite do “regulamentar a criatividade”?

Às vezes, soa que a criatividade especializada é mais importante, tem mais destaque. É Designer de Interiores. É Desenhista Cadista. É Designer de Web. É Designer Gráfico. É Designer de Sobrancelhas – ah, não, este não pode, não é curso superior, não tem a formação necessária pra se auto intitular assim.

Designer é o título do doutor – com doutorado – em criatividade, então?

Leonardo da Vinci é outra vez um puta vanguardista porque foi um puta d’um designer quando o termo ainda não havia – ou será que desenhista, à época, valia?

Por mais que mereçam seu reconhecimento profissional – designers, ilustradores, desenhistas, principalmente os sem essa especificação boba, seja pré ou pós-posta – me coça é a superiorização da criatividade. Temo que no futuro os filhos do designer não possam, não se sintam no direito de se chamarem designers de giz de cera e lápis de cor – digo, desenhistas – por, aos duros seis anos e meio de vida, não terem ido à escola de gente mais alta por quatro.

Por esses dias, uma professora (que se auto intitulava e era intitulada socialmente como designer gráfico) deu seu curso de extensão dando-me petelecos verbais com “o criativo isso”, “o criativo aquilo”.Sujeito, não adjetivo. Mudou a alma da palavra, pelo menos pra mim, que sofri as dores de não ser criativa quando, na parte prática do curso, me senti minimizada em relação aos colegas por não conseguir mexer no dito cujo do Corel Draw. Eu não era a criativa porque não dominava esse lápis novo.

Eles eram criativos. Eu não podia mais me chamar assim. E olha que usava retângulos vermelhos nos olhos há menos de dois meses.